A Destruição Criadora - Paper de Economia e Filosofia social

por Artur Gonçalves
FDE - Trabalho final para Sociologia das Organizaçoes ano 2002-2003

I- Razão da economia e das Ciências

Toda a interpretação da economia e das ciências sociais assenta necessariamente numa concepção do mundo, do homem e da sociedade.
Nunca as ciências sociais foram tão grandes como quando souberam associar num mesmo pensamento uma filosofia do mundo, uma sociologia, e claro está um diferente olhar sobre as coisas que lhes são próprias.
A titulo de exemplo temos Adam Smith, Stuart Mill, que têm tanto de economistas como de filósofos; e Karl Marx, onde a economia assenta numa dialética materialista e Histórica.
O determinismo cientifico tido como um dos mais rigorosos do métodos cientifico não encontra, nas ciências sociais aplicação. Nunca poderíamos provar, que em condições iguais, as mesmas causas conduzem aos mesmos efeitos.
Sensivel a esta constatação, o conhecido filosofo austríaco, Karl Popper, criou o critério do discurso exposto à refutação. Onde a veracidade do método determinista, nunca pode ser verificada (seria necessária uma infinidade de experiências), mas se entretanto uma das experiências falhar, é possível conceber um protocolo que a coloque a demonstração em causa. Por outro lado, quando as declarações são qualitativas tais como, o “violeta é mais bonito que o verde”, prendem-se com o juízo de cada individuo, e logo com valores socioculturais, escapando portanto a este critério. Segundo Popper este é apenas um “critério de demarcação”, nada mais, significando que a hipótese não verificada não é verdade cientifica, mas pertence automaticamente ao campo do discurso cientifico visto que é refutável.
Numa tentativa frenética de conhecer o mundo, o universo, e a sociedade; o homem elabora conceitos que nada mais são , do que as representações e não as próprias coisas.
Fazer de uma investigação que depende da diversidade, uma relação de verdades definitivas, que se colocam em causa uma as outras, é extravasar o domínio cientifico, e ficar fora dele.

II - As ciências sociais como medida do homem

No século v a.C Protágoras proferiu que “o homem é a medida de todas as coisas”, fazendo uma clara alusão à impossibilidade de conhecer o mundo a não ser através dos sentidos. Logo nada poderá ser apreciado sem ser por referência do homem.
Da mesma forma isto aplica-se nas Ciências Sociais ex: economia, neste caso ,como conjunto de actividades planeadas de transformação da natureza, que tem por objectivo a satisfação das necessidades humanas.
Dai que se justifique que as ciências sociais dependam intrinsecamente da nossa concepção do mundo. Onde as nossas representações apoiam-se nas experiências quotidianas, no senso comum, e na nossa relação com o meio e o universo que nos circunda.
Poder-se-á dizer em ultima analise que as ciências sociais , e todas as suas teorias, são o reflexo de uma época, de um meio, o qual o conhecimento do momento conseguiu discernir, e dialectizar o alcance das construções intelectuais daí decorrentes.
É exemplo corrente da economia , os tecnocratas observarem a “saúde” do estado,
ou das organizações, mediante parâmetros e relações matemáticas, tais como o déficit orçamental, a estabilidade dos preços, o crescimento do PIB, etc
Esquecem-se porém do grau de realização dos objectivos humanos para os quais era suposto, que a economia funcionasse. Constatamos então que embora fosse notória a revolução tecnologica; através da evolução dos saberes nas áreas da física e das matemáticas, onde o triunfo da engenharia e adequação às leis da natureza atingiu uma época sem precedentes.
O que dizer então das ciências sociais? Onde a esfera humana constitui a finalidade ultima, a satisfação das suas necessidades, actividade onde todas as outras estariam desprovidas de significado.
Depressa caímos num parodoxo; o homem é simultaneamente a finalidade, mas também o instrumento; detentor da força de trabalho manual ou intelectual, associa-se a outras forças mecânicas/financeiras, visando atingir a máxima eficácia.
Onde daqui surge uma problemática, sé o homem instrumento neste processo, instrumento permanecerá, pois o seu interesse pessoal fará às vezes do interesse geral e finalidade social. A eficácia é definida como aquilo que produz o efeito desejado.
Logo o desempenho de um sistema só pode ser definido pelo seu grau da concretização da finalidade que se propõe servir. Como se poderá medir o desempenho das organizações sem ser através da finalidade humana ?
O programa das Nações Unidas para o desenvolvimento, publica um relatório desde 1990 sobre o desenvolvimento humano, em que tentou definir um “indicador de desenvolvimento humano”, não se confinando aos rendimentos, ao crescimento do PIB, à produção do capital, mas sim a longevidade do ser humano, a sua saúde, ao seu grau de instrução, e à disposição de recursos que permitam um nível de vida razoável, a liberdade política, e ao pleno gozo dos direitos humanos.
Tal indicador entra em choque com o actual pensameto neoliberalista, pois os defensores destes reivindicam mais produtividade, eficácia, eficiência, o novo grupo, contrapôem-se questionando estes sobre, o problema ecológico, o desemprego, a exclusão social e a miséria humana.
Onde Rene Passet lança um repto: “Se a finalidade das ciências sociais é o homem e a sua felicidade , poder-se- a então perguntar se neoliberalismo e a suas ferramentas cujo rigor, nos habituaram a quantificar o grau de desenvolvimento actual serão capazes de medir e prever qual a taxa de crescimento felicidade para o próximo ano ??”

III - Breve História do desenvolvimento das ciencias exactas e sociais:

a) A afirmação do determinismo

No século XVII , Newton com formulação das leis da física, revoluciona também a forma de pensar e problematizar o mundo. Tudo passa então a estar determinado.
Laplace dizia que “ devemos encarar o estado presente do universo como efeito do seu estado anterior e como causa do que se seguirá...”
Newton provavelmente nunca poderia imaginar que a sua lei da atracção universal serviria de inspiração a outras áreas dos saber; a organização da vida (Linné, Cuvier), os fenômenos das afinidades químicas (Buffon), assim como as estruturas sociais (Locke).
Na economia do Séc. XVIII os fisiocratas (Quesnay), atendem também ao determinismo, referindo-se à ordem natural que as sociedades humanas tem de obedecer, sob a pena de se destruírem. Também Adam Smith à imagem de Newton relaciona a concepção dos preços , “gravitando” o preço efectivo do mercado em torno do preço natural ou de produção. Os Neoclássicos (Leon Walras), constroem a teoria do equilíbrio geral.
Já para Stanley Jevons a economia é vista como “ a mecânica da utilidade e do interesse individual”. Walras compara a economia ao universo e ao cosmos , “ O sistema do universo econômico revela-se em todo o seu esplendor e complexidade: um sistema simultaneamente vasto e simples que se assemelha em beleza pura ao universo cósmico.”

b) A Termodinamica e os seus principios

Com a descoberta da termodinâmica (Carnot séc. XIX) e a entropia, o modelo que representa o universo, antes representado pelas leis físicas de caracter mecânico, passa a integrar também a temperatura calor e energia.
Logo se compreende que a termodinâmica é portadora de um novo olhar incompatível com a idealização de um universo puramente mecânico e determinista.
Todo o universo é composto por astros que se extinguem ao longo do tempo e estão expostos ao principio de degradação, isto é uma entropia crescente, que levará o sistema ao colapso, por exemplo; a extinção da energia solar e conseqüente morte do sol.
Logo também as organizações poderão estra sujeitas a tal modelo, dai que Marx e Engels, contestatarios do liberalismo econômico, apoiam -se nos princípios da termodinâmica , e analisam este novo elemento perturbador no sistema capitalista teorizando a sua autodestruição.

C- A destruição criadora

Se observarmos atentamente o universo, averiguamos que as leis da termodinâmica e especificamente a da entropia, colaboram com este no sentido de restrusturação e renovação gradual do universo.
Assim se as estrelas não diminuíssem a sua entalpia (quantidade de calor), com o decorrer do tempo seria impossível vida no planeta terra, e logo dada a minha inexistência e da espécie humana, não haveria um problema sociológico a discutir, e tão um trabalho a apresentar à docente desta cadeira...
Se por um lado a entropia nos salta ao olhar como degradação do sistema, revela-se por outro como uma fonte de criação. Então o significado de entropia muda radicalmente, passando a constituir não mais do que o preço a pagar por uma criação mais vantajosa para todos.
Passamos então de um sistema de organizações fechadas e estáveis para um sistema de organização aberta perturbável por causas externas.
Do ponto de vista biológico para quem quiser conhecer o mundo é esta abertura que se impõe; Ex: A energia solar é captada pelos vegetais , transmitida ao longo de varias cadeias alimentares e antes de ser dissipada no universo, renova-se no diariamente.
Onsager e Schrodinger demonstraram como um sistema aberto pode procurar no seu ambiente os meios de resistir à degradação entrópica, mantendo a sua estrutura no tempo (característica intrínseca aos seres vivos).
Nascem varios modelos baseados neste principio da destruição criadora tal como o Ilya Prigogine e a teoria das estruturas dissipadoras.
A teoria das catástrofes de René Thom que nos propõem uma matemática não linear ao contrario à da Newton e Leibniz. A explicação do aparecimento do universo é agora o Big Bang, que conduz progressivamente à formação de estruturas ordenadas; das nebulosas, das galáxias, sistemas solares, planetas etc. Esta idéia é aproveitada por Piaget que adopta este modelo para conceber o conceito de organização baseado no conceito biológico.
A historia do universo é então a historia do cosmos de como se organiza através da matéria, e como esta adquire consciência.... Mas a matéria torna-se complexa e actuante, e com este facto voltamos o nosso olhar para a destruição criadora. Joseph Schumpeter formula o problema da evolução econômica, esta não acontece por acumulação mas sim por renovação, isto é pelo desaparecimento e substituição das estruturas obsoletas.
O exemplo típico da revolução dos transportes não se deveu à acumulação dos meios eqüestres , mas por regressão e limitação destes sendo substituído pelo automóvel.
Por analogia as organizações apóiam-se agora neste modelo de expressão biológica “num processo de mutação... que revoluciona constantemente a estrutura da organização, destruindo continuamente os seus elementos envelhecidos e criando continuamente elementos novos.” Ironicamente também a ciência não procede por acumulação de saberes, mas por uma transformação do olhar que lançamos sobre as coisas.

IV - Qual o papel do homem no seio da organização ?

Se usarmos o principio determinista/mecânico (de que as mesmas causas geram sempre os mesmos efeitos) para responder a esta questão, então o individuo não é mais do que um átomo de sociedade, e a sociedade é apenas um somatório destes átomos.
Logo a opção social, condição primordial da liberdade não existe.
Partindo do principio da organização em equilíbrio, não há espaço para a mudança e evolução.
Se adoptarmos o modelo termodinâmico caímos no principio da indeterminação ou incerteza pelo qual Heisenberg recebeu o premio Nobel em 1932. Mostra-nos que ao contrario da hipótese de Newton, não se pode conhecer simultaneamente a posição e a lei do movimento que anima a particula, devido à interferência do instrumento observador. Logo não podemos na organização passar do singular ao colectivo, esta não se faz por simples soma de gostos ou preferências, visto que estas visam a satisfação da necessidade de um só.
Cada mudança de nível é pois, acompanhada de um fenômeno de emergência e de uma mudança de problemática em função dos quais o todo deixa de poder considerado como a soma das partes.A passagem de um nível a outro implica uma mudança qualitativa. O principio de incerteza constitui então o fundamento da liberdade de comportamentos individuais .
Esta concepção porem está carregada de conseqüências, a qualquer momento, o futuro é feito de vários possíveis, não sendo possível prever qual deles irá emergir.
A este momento designa-se por ponto critico. E o seu efeito é irreversível.
Esta articulação de determinismos por um lado e indeterminismos por outro constitui a própria condição de toda a liberdade humana. Os primeiros condicionam a possibilidade de escolha e os segundos à existência de um objecto de escolha.

Conclusão : O individuo passa então de marionete a actor principal da historia e é o a dois níveis:

- No ponto critico, onde acção de alguns ou um só pode inflectir o curso dos acontecimentos, este é o papel dos grandes lideres. Schumpeter dizia que o empresário inovador é excepcional, quebrando a rotina e desencadeando um fenômeno de repetição (imitação de outros), até que outro inovador quebre este equilíbrio.
Os grandes políticos, profetas, pensadores, gestores também tem este papel, que apesar de extasiante, também tem algo de desesperante, dado o numero muito restrito de indivíduos que podem chegar a esta posição.

- Por contrapartida, todos os indivíduos têm a possibilidade e a liberdade, de agir sobre o meio de propagação o qual o ponto critico depende. Sem este meio portador , a invenção mais genial não se torna invenção.