Por Artur Gonçalves, 2006
-FDE - Filosofia Contemporânea
A palavra globalização é um termo frequentemente empregue numa imensa panóplia de situações, fazendo actualmente parte do léxico do mais comum dos cidadãos o que torna por um lado a globalização num vocábulo incontornável, e por outro lado anunciam momentos de superior importância e preocupação. Dado a este uso frívolo sistemático e desmedido, é condição sine qua non, fazer uma reflexão ligeira que seja acerca do seu significado e das implicações que compõem o chamado fenómeno de globalização.
É de destacar que a globalização como processo decorre já há milhares de anos, mas é sobretudo nos últimos 15 anos com a queda dos regimes de leste que este fenómeno ganha ímpeto,
e notoriedade a um ritmo até agora sem precedentes. Examinando alguns traços primordiais do “modus operandi” global dir-se-ia que se desenvolve, por uma óptica de internacionalização dos processos chave e suporte à economia, tais como:
- Factores de produção; o capital, o trabalho, os novos métodos de gestão, a abolição das barreiras alfandegárias e a consequente livre circulação de pessoas.
- Avanços nas novas tecnologias; que permitem o aumento da circulação do fluxo de dados a velocidades e distancias colossais; a desmaterialização de produtos;
- Desenvolvimento de novos agentes emergentes tais como as sociedades da informação; da inovação, do conhecimento. O planeta azul, outrora admirável pela sua imensidão, torna-se assim numa verdadeira aldeia global.
Ainda que as diversas definições quanto ao conceito ou à problemática suscitem variedades diferentes de abordagem, dividindo os pensadores, há pelo menos um aspecto em que todos se reúnem em consenso; a problemática da globalização em si traduz-se numa realidade dificil de captar. A dificuldade está na interpretação do seu real significado, agravado pelo difícil aporte de valor que se queira fazer, propiciando movimentos que o abominam de forma veemente, e outros que o aplaudem incondicionalmente. Os argumentos a favor estarão centrados no carácter de unificação e homogeneização do mundo, fruto da época áurea de expansão do capitalismo.
Contra estarão os que argumentam que a globalização não é total, pois incide somente no hemisfério norte (E.U.A, Japão, União Europeia) o que implica a exclusão de significativa parte dos cidadãos falando-se então, de injustiça social na redistribuição dos recursos, e da subserviência que os países pobres estão destinados face aos ricos, não só em termos comerciais, mas também em termos culturais, pondo em risco a soberania da sua própria identidade cultural.
Os efeitos da globalização, apresentam-se de forma severa, configurando e transfigurando a todo o momento as nações, quer por via política e ou pela via cultural.
Por um lado estão as nações que tiram partido desta mudança, enriquecendo ou diminuindo o fosso para os países do G7, e por outro estarão as nações que vêem o seu desnível a aumentar de forma catastrófica. Há assim quem veja este fenómeno de capitalismo atroz e voraz como neocolonialismo. Também há aqueles que numa linha globalista explicam as diferentes fases de evolução do capitalismo; - antes vivíamos uma lógica de Fordismo “alta eficiência de produção com nuances de tecnologia e flexibilidade da capacidade”, agora chegamos à derradeira idade da expansão do capitalismo como nova ordem mundial. Nela nasce conceitos como “classe trabalhadora mundial” , “formação de consciência e acção politica”, “limitação da sindicalização”, “perda de fidelidade da esquerda em relação as suas doutrinas originarias”, operada pela mudança ao nível da divisão do trabalho. Assim a globalização é mundial pois existe uma penetração do mercado e das forças de trabalho pela lógica subjacente às grandes economias industriais, mas o processo é desigual e assimétrico.
Podemos também analisar a globalização como um processo comunicacional pois transmite ou omite sentidos culturais e económicos diversos, suportados pela eficaz rede de comunicação que não permite apenas maiores e melhores transacções de bens económicas e capitais financeiros, mas que constituem também um verdadeiro instrumento de propaganda. Na pós-modernidade a cultura e a economia adquiriram esta particularidade; cruzando-se ambas concomitantemente , a economia torna-se então também fenómeno cultural , e a própria cultura é determinada pela dimensão económica. Fala-se assim na importação versus exportação de cultura , ou na “economia da cultura” , onde os fornecedores serão a industria do cinema e da TV, e os consumidores são os cidadãos globais que ficaram confinados a oferta destes. O perigo está, é que nesta lógica de mercado, dada os diferentes poderes entre das nações, a concorrência não é perfeita, permitindo que o mercado funcione com estruturas monopolistas da cultura e informação. Dada a hegemonia global a nível económico, financeiro ,militar e cultural dos Estados unidos, assistimos impávidos à americanização do mundo, “an American way of life”. Assim os media vão exercendo a sua influencia sobre a forma como a pessoas se comportam , os seus estilos de vida , as suas atitudes e fundamentalmente mais perigoso até, sobre os seus valores. Esta afirmação de superioridade do domínio dos media revela a tendência imperialista que se vai formando de forma consistente e que ameaça a integridade e diversidade cultural dos outros povos, vivemos um período dito de “pré-programação mental” para assimilação desta cultura, que desenvolve o consumismo como valor (ou ausência dele), modificando os paradigmas de felicidade caindo-se agora numa acérrima óptica hedonista de viver o presente.
Esta óptica consumista é tão desenfreada que a informação, nomeadamente de vertente politica
e de interesse estratégico que corre todos os dias como noticias, é tratado com um mero produto a ser consumido, a noticia chega mesmo a ser pré - preparada para que o efeito da sua mensagem, seja adequadamente assimilado na mente do receptor , este é o papel desempenhado pelos homens do media, chamados de “opinion-makers”. Assim todas as faixas etárias estarão vulneráveis a um conjunto de valores e padrões comportamentais, que agora são vendidos e propagandeados como verdade suprema, ou no mínimo como relativa pois na modernidade aceita-se o relativismo , “tudo vale o que vale”.
Os media não se preocupam com a verdade ou falsidade, mas sim de vender mitos irreais, ilusórios, que anestesiam ,e por vezes contradizem as convicções, e os valores supremos que o homem já conquistou. É também a cultura do “Violence Hardcore” com recurso a imagens sistemáticas de violência gritante que se adequam a metáfora dos filmes de Far West , onde encenava o celebre actor John Wayne. Em algumas circunstancias poderá-se-a dizer que esta violência é estratégica pois suporta mercados importantes como mercado de armamento e o trafico de armas, no entanto revela os seus efeitos perversos que se produzem sobre as crianças, no seus primeiros estágios de desenvolvimento de personalidade, incitando a acções de mimética agressiva.
Karl Marx não previu a globalização tal como ele é hoje, mas na verdade já tinha apontado o carácter internacional que o capital impõe nas suas dimensão económicas e sociais.
Caímos agora no perigo de agudizar ainda mais o liberalismo através das correntes ultra-liberais, que impulsionam para uma concepção de homem, já enunciada por Thomas Hobbes centenas de anos atrás de “homo hominis lupum, há bellum omnium contra omnes”, através de falsos valores acima enumerados, que nos direccionam no egoísmo mais grosseiro e revanchista. Alegram-se pois os pensadores anarco-liberais tais como Nozick, cuja a defesa de um bem supremo como da liberdade individual colide com a vertente social que todo o ser humano possui, que só é suportada pela tese comunitarista que diz que o homem só se torna homem por referencia a uma comunidade especifica. Se acreditarmos na visão de Fukuyama, de que já teremos alcançado ao “fim da historia” , contradizendo Marx e o seu modelo de “Materialismo histórico e dialéctico,” então teremos de aceitar que história da humanidade tem o seu ponto culminante de evolução com o triunfo liberalismo e da cultura ocidental sobre todas as ideologias concorrentes. Esta critica não é do panegírico e retorno as economias planificadas que urge tratar, mas sim de fugir a estas correntes ultra liberais que são descaracterizantes e despersonalizantes, dos indivíduos ,dos povos e das sociedades cujo re-arranjo caminha para uma espécie de naturalismo selvático. Mas sim em ultima analise, tornar possível um rumo para um capitalismo de rosto mais social, mais responsável e mais sustentável que incorpora as vantagens em termos da eficiência produtiva do modelo liberal de mercado, mas que assegure aquilo que é suposto que a economia assegure, equidade, justiça social pois afinal a economia é um mero meio para a realização do homem, e não o contrário.